Células tronco


Neste momento em que a Lei de Biossegurança está em discussão no país, muitos bucam informações e subsídios para uma tomada de posição quanto ao tema.

Contribuindo para este debate, o Toque de Vida publica esta entrevista que o Rev. Rafael Nerbas, pastor da Igreja Luterana, estudioso de temas relacionados à Bioética, concedeu em 2005. Nela, abord, entre outros temas, as pesquisas com células-tronco.


-O Sr., como um dos representante da Igreja Luterana, é contra ou a favor das pesquisas e dos tratamentos com células-tronco embrionárias? Por que?
Sou contrário às pesquisas e tratamentos com CT embrionárias pelo seguinte motivo: defendemos o direito e respeito à vida em todos os seus estágios de desenvolvimento, o que inclui o estágio embrionário. A retirada das CT significa a destruição do embrião, sendo em nossa opinião, a interrupção de uma vida humana, não importando a finalidade, por mais nobre que seja, da pesquisa. Os fins não justificam os meios quando se trata de vidas humanas. Deus, o Criador, atribui uma dignidade sagrada à vida de cada ser humano desde o momento inicial – a fecundação.


-Qual seu parecer quanto à aprovação de leis que regulamentam a clonagem terapêutica?
A aprovação de leis que permitam a clonagem terapêutica abrem precedentes perigosos para o avanço de técnicas de clonagem humana. A clonagem humana, em minha opinião, não deve ser permitida pois as conseqüências sociais prováveis não são nada animadoras. A humanidade precisa tomar conta de forma adequada e justa de milhões de miseráveis morrendo de desnutrição, de falta de condições dignas de sobrevivência, antes de se preocupar em clonar alguém. Os recursos para a pesquisa da clonagem continuarão sendo muito melhor empregados em outras pesquisas que resultem em proveito para a humanidade em sua maioria. Por isso, a aprovação da clonagem terapêutica é perigosa, pois legalizaria o processo necessário para se ir além dela, sendo difícil o controle se de fato se usariam apenas os embriões clonados para retirada de CT ou se continuaria o processo implantando e produzindo clones humanos.

- Qual sua posição quanto à clonagem reprodutiva?
Como já expresso acima, a clonagem humana traria impactos muito mais difíceis de resolver e aceitar do que benefícios à humanidade como um todo. Além disso, do ponto de vista teológico, seria avançar demais na manipulação da vida humana, um desafio à soberania do Deus Criador.

- Para a Igreja, quando inicia a vida do ser humano?
A Igreja Luterana tem como princípio basear sua teologia e doutrina na Bíblia unicamente, por acreditar ser esta a revelação de Deus à humanidade. Não há nenhuma passagem bíblica que responda a essa pergunta de forma clara, mesmo porque a Bíblia não é um manual de instruções e seu objetivo não é ser um compêndio de perguntas e respostas sobre a existência humana, mas seu objetivo principal é revelar o amor de Deus ao mundo através de Jesus Cristo. Mas o direito e respeito à vida humana fazem parte dos mandamentos de Deus e especialmente importantes nas palavras de Jesus no Novo Testamento. Há passagens bíblicas que são teologicamente importantes quanto ao valor atribuído por Deus à vida humana desde os seus estágios iniciais de desenvolvimento. Exemplo: Jó 10.8-12; Salmo 51.5; Salmo 139.13-16; Jeremias 1.5. A teologia luterana leva em conta os aspectos lingüísticos do hebraico e grego, línguas originais do relato bíblico. Em ambas, não há distinções importantes de palavras para estágios de vida humana – pelo contrário, palavras que nesses versículos são traduzidos como “feto” ou “substância informe” por exemplo, aparecem em outras passagens e outros contextos traduzidas como “filho”, “criança”, e até “adolescente”. Os aspectos lingüísticos reforçam portanto a opinião de que vida humana é sagrada desde o seu início na fecundação. Aliada a esta posição bíblica, defendemos a opinião de que no momento da fecundação/fertilização está ali uma nova célula com código genético próprio, uma nova pessoa. Mesmo a questão da possibilidade de divisão (gêmeos) posterior não afeta isso, porque a questão da individualidade não elimina a questão da pessoalidade. Também defendemos a fecundação porque qualquer tentativa de classificação posterior do início da vida humana é subjetiva, dependendo de critérios de avaliação, e criterização identificando quem é humano e quem não é já deu mostras suficientes de seu perigo na história da humanidade. Para não se correr o risco de errar no critério subjetivo e então pecar eliminando uma vida humana, adota-se o critério mais objetivo possível – a fertilização como primeiro estágio identificado de mudança genética, de surgimento de algo novo, de início de um processo que só se extinguirá na morte do indivíduo.

- O Sr. acredita que seria mais viável o uso de células-tronco adultas, ou o uso de células-tronco embrionárias? Por qual motivo?
Acredito. Pude participar em julho de 2005 de um Simpósio Nacional sobre CT promovido pelo Cremers em Porto Alegre. Neste encontro que contou com a presença de, entre outros, Dr. Carlos Antonio Gottschall, Dra. Nanci Nardi, Dr. João Pedro Marques Pereira, Dr. Luiz Fernando Bouzas, ficou evidenciada a maior probabilidade de sucesso e avanço nas terapias com CT adultas. Mesmo a questão do maior potencial de diferenciação, que há pouco se atribuía como exclusiva às CT embrionárias, já se sabe que é própria de alguns tipos de CT adultas também. Além disso, a ausência de questionamentos éticos maiores e a vantagem da compatibilidade genética e riscos de rejeição menores fazem das CT adultas um caminho mais viável. Repetindo uma frase dita por uma das palestrantes: “a CT embrionária não é a única e talvez nem seja a melhor”.

- Como o senhor acha que será o futuro das pesquisas com células-tronco embrionárias? O Sr. acha que há razões para tanta esperança?
Em primeiro lugar, entre ser moral ou pragmática, a ciência sempre optou pela segunda opção ao longo da história, o que indica que mesmo o questionamento ético e reações contrárias não impedirão o avanço na pesquisa com CT embrionárias, e em nosso país com a facilidade da Lei de Biossegurança aprovada. Penso ser complicada a questão da posterior formação de tumores e a questão da incompatibilidade genética. Mais complicada ainda é a aprovação da clonagem terapêutica como solução para a incompatibilidade. A esperança pode ser mais conseqüência do apelo da mídia que realidade, visto o insucesso até agora nas experiências com embrionárias ainda em animais de porte menor. Do ponto de vista cristão e luterano, temo que tal esperança coloque em risco outra esperança de ver a vida humana respeitada em qualquer estágio de desenvolvimento.

- Manter a vida de homens e mulheres adultos utilizando células-tronco embrionárias pode ser considerada “prioridade” em comparação a manter a vida do embrião?
Penso ser complicado falar em prioridade, ainda que entre aspas, quando se trata de vidas humanas em jogo. Se há vida humana em perigo, esta é sempre prioritária, o que faz do embrião alvo de proteção a qualquer custo. Defendo a priorização da pesquisa com CT adultas que podem revelar num futuro próximo soluções efetivas que dispensem o sacrifício de embriões.

- Alguns religiosos afirmam que embriões não deveriam ser destruídos porque eles não tem condições de usar a própria autonomia no momento de optarem sobre a sua destruição. O Sr. acredita que o status moral do deve ser levado em consideração ou o Sr. acredita que o embrião não possui status moral?
Não é uma questão de status moral, mas de respeito ao direito sagrado à vida. O início da vida não é resultado de opção ou escolha do indivíduo, mas da ação criadora de Deus que dá origem à vida. Portanto, a morte ou destruição também não pode ser enquadrada como questão de opção ou escolha, mas coloca-se debaixo da soberania de Deus sobre a vida humana.

- Assim como falam alguns especialistas, é grande o risco de as biotecnologias vieram a tratar o homem não como um fim em si mesmo, mas também como meio para as pesquisas? O Sr. acredita que isso possa ocorrer?

Não só pode como já ocorreu diversas vezes na história da humanidade, e pode estar ocorrendo agora em nosso país, quando a pressão da mídia e da bancada ruralista pela aprovação da lei de Biossegurança regulamentando os transgênicos foi utilizada como oportunidade para inclusão nessa lei de um parágrafo um tanto deslocado no contexto da lei aprovando a liberação dos embriões congelados há mais de 3 anos. O mais intrigante é o contra-senso na questão legal, pois transita no Senado há mais de 2 anos projeto de lei que prevê proibição do congelamento de embriões e limita a 1 embrião implantado na Fertilização in Vitro. Passou-se por cima desse projeto aprovando essa inclusão em cima da hora desse item na Lei de Biossegurança e justificando-se a mesma com apelos emocionais – tratando a vida humana não como um fim em si mesmo, mas um meio para as pesquisas.

- O Sr. acha que a liberação das pesquisas com embriões pode levar a clonagem e a bioindústria?

Sim, pelo apelo posterior e provável pela aprovação da clonagem terapêutica como solução de problemas na utilização de possíveis terapias com embrionárias num futuro próximo.

- Como o Sr. vê a participação da sociedade nesta questão com embriões?
Há pouco acesso à informação clara e precisa que contemple os dois lados da questão. A mídia classifica as opiniões contrárias à utilização dos embriões como opinião religiosa retrógrada ou fanática, ignorando que a religião cristã não é contra a vida humana, nem contra a ciência em si, muito menos contra a busca de esperança para milhares de pessoas ainda sem perspectiva de cura de suas doenças. O cristianismo é, porém, uma das vozes dignas de serem ouvidas com respeito nesse debate e não pretende nada mais do que a proteção ao direito sagrado à vida.

- E a mídia? Para o Sr. como está sendo o papel da mídia em relação à essa novidade?
Idem à resposta anterior.

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