Linha divisória



Confesso que depois eu até fiquei meio na dúvida se devia ter falado ou não. Na hora foi mais rápido que eu, quando vi, já tinha dito ‘mão!” e então, já não dava pra voltar atrás.

Deixa eu explicar. Foi no futebol de sábado. Eu estava marcando o Clever, dentro da área, quando ele chutou a bola e ela pegou não apenas no meu corpo, mas também na minha mão. Foi quando eu exclamei mais rápido que pensei, “mão!”. Acontece que provavelmente ninguém além de mim teria visto o fato, e o jogo teria seguido. Mas eu já tinha falado, e confirmei. Pênalti. Gol do time adversário. Marcado pelo próprio Clever.

Dada a reclamação de um companheiro de time e a zombaria que veio de fora da quadra, fiquei pensando se tinha feito certo mesmo. Mas, no fim, tudo bem, é só um jogo. Saindo dali, tudo acabou e a vida de ninguém vai mudar pra melhor ou pior por causa daquilo.
Minha preocupação é outra quando saímos das quatro linhas e entramos em uma sociedade em que a linha entre o certo e o errado é traçada com aqueles sprays dos árbitros de futebol. Permanece visível por um tempo, mas vai se apagando, sumindo, até ninguém mais ter certeza de onde estava. ‘Já que todo mundo faz, vou fazer também’. ‘Já que o negócio é ser esperto, vou tentar ser mais’. Já que ninguém é perfeito, porque vou tentar ‘dar uma de bom’?
Mas o fato de não podermos fazer tudo serve desculpa para não fazermos nada? Não precisa ser assim. Nem sempre a jogada vai ser leal, mas precisam ser regra as desleais? Nem sempre vamos acertar, mas vamos também nos contentar em ir errando?

No fundo estamos falando de princípios. Quando o fundamento moral de uma pessoa diz que tudo é relativo e que o importa é o resultado, vamos ver muita falta no meio. Mas quando aponta para o certo como o certo e o errado como jogada não intencional, ai a defesa fica mais firme e o ataque, mais certeiro. Bolas pra fora ou na trave continuarão em cena. Mas sempre com chance de replay – que, diferente da transmissão dede TV, pode ser alterado. A bola pode ir pra rede na segunda chance.

Para isso podemos contar sempre com a mão de Deus. Não a do gol do Maradona, mas aquela que nos orienta e auxilia a termos sempre grandes chances de marcar. E também para, movidos pela sabedoria e fé que vêm do banco, darmos uma mão para um mundo carente de enxergar com clareza esta linha divisória.

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